quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Declaro-me publicamente Incompetente

Não há muito tempo estive com um grupo de Sacerdotes para trocarmos opiniões sobre as situações em que hipoteticamente, diferentemente da Doutrina Disciplinar da Igreja, desde há dois mil anos, se poderia absolver e dar a Sagrada Comunhão a baptizados cujo casamento validamente contraído tinha, por motivos muito diversos, acabado em separação e seguidamente em divórcio civil e ‘casamento’ civil, fornicando sem arrependimento nem propósito de conversão, porque a continência sexual era tida como não factível.

Como era de esperar a barafunda foi mais que muita. Ninguém se entendia. Uns declaravam isto, outros, aquilo, os demais, aqueloutro, etc. Tudo em nome do “discernimento”. Falou-se também da consciência – caso um Padre decidisse que, após discernimento com a pessoa ou as pessoas em questão autorizar a absolvição e a Comunhão e um outro consultado pelos mesmos “penitentes”, chegasse a uma conclusão oposta que deviam fazer os impropriamente chamados recasados? Seria um Padre obrigado, embora repulsasse à sua consciência, admitir aos Sacramentos somente porque um outro presbítero o fez? O primeiro consideraria um auxílio à santificação, o segundo, pelo contrário, entenderia que era um empurrão para o sacrilégio, ou condenação…

Eu creio que fundamentalmente se trata de uma questão de verdade, humildade e obediência. A Igreja, desde sempre, já fez o discernimento definitivo, em obediência e comunhão com o Seu Senhor (para quem ainda não o tenha percebido, o Papa não é a Igreja, nem o depósito da Fé, nem o Revelador da mesma). O discernimento agora invocado para admitir o inadmissível, não é o da Tradição da Igreja nem o de St. Inácio nem o de nenhum outro Santo. Poderá ser o de Lutero e o de tantos outros inimigos da Verdade e da Igreja ao longo da história. E é certamente, como advertiu o Cardeal Pell, um cavalo de Tróia ou, digo eu, uma caixa de Pandora.

Claro que a Igreja sempre soube e ensinou que se podiam dar circunstâncias em que a responsabilidade pessoal poderá estar atenuada e até anulada, mas o que nunca fez foi substituir-se a Deus no julgamento dos corações. Por isso, sempre afirmou que Ela não tem autoridade nem capacidade para julgar o interior das pessoas:  “A Igreja não julga do interior, e só pode decidir-se pelos actos externos”. (O que sempre fez foi ensinar e ajudar as pessoas a recorrerem a Deus, às obras caritativas e penitenciais para superarem o estado espiritualmente calamitoso em que se encontravam.)

Exemplifiquemos mais claramente. Entra na Igreja em horário de Missa uma pessoa embriagada, oscilante, aos trambolhões, gritando impropérios, provocando nos fiéis um grande alvoroço. Chegado o momento da Comunhão põe-se na fila, entoando, intervalado de soluços, o Grândola vila morena. Dou-lhe a Sagrada Comunhão ou não? Estará ele na Graça de Deus ou não? Terá sido embriagado inadvertidamente por outros? Foi, desde bebé, ‘alimentado a sopas de cavalo cansado’ tornando-se inconscientemente um alcoólico inveterado? Pode estar na Graça de Deus? Poder poderá. Mas é evidente que tem de se lhe negar a Sagrada Comunhão. Ou não?!!!

À porta da Igreja está um ecologista fanático, influenciado pela propaganda de controladores demográficos, que opinam, como alguns famosos, hoje consultores de altas hierarquias eclesiásticas, que é necessário diminuir a população, pelo menos em 300 milhões de pessoas por ano. Cada vez que vê uma grávida, munido de um rijo cajado dá-lhe umas pauladas valentes na barriga para acabar com essa peste venenosa e predadora que é o bebé a nascer. Depois assiste à Missa e vai à Comunhão. Posso ter a certeza de ele não estar na Graça de Deus? Não!? Talvez esteja possesso do Demónio… Posso dar-lhe a Comunhão? Nem pensar!!!

Não, não estou a dizer que os adúlteros são, em virtude desse facto alcoólicos nem que são abortadores e infanticidas.

A segurança de estar ou não na Graça de Deus não se adquire através de um discernimento cuja sentença final seja dada pelo Padre ou/e pelo Bispo. (Os bispos de Buenos Aires, no espaço de um mês, discerniram que cerca de 30 falsos “casais” fossem admitidos aos Sacramentos.) Quem Me ama, diz o Senhor, cumprirá os Meus Mandamentos (conformar-se-á com os Meus dons de Amor); e o Pai e Eu, viremos a ele e nele faremos a Nossa morada (Cf Jo, 14-15). Esta é a melhor segurança, acompanhada da oração pedindo ao Senhor conhecimento, arrependimento, perdão e conversão dos pecados que nos são ocultos e implorando a Graça da perseverança final.

Se algum par que vive em adultério quer temerariamente arriscar a sua salvação eterna poderá racionalizar o recurso aos Sacramentos recorrendo ao cânone 916: “Quem está consciente de pecado grave não celebre a missa nem comungue o Corpo Senhor, sem fazer antes a confissão sacramental, a não ser que exista causa grave e não haja oportunidade para se confessar; nesse caso, porém, lembre-se que é obrigado a fazer um acto de contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar quanto antes.” 

Mas não metam os Bispos nem os Padres ao barulho – Assumam a responsabilidade perante Deus e com Ele se entendam aquando do Juízo imediato após a morte. Não aconselho de modo nenhum, mas se as autoridades eclesiásticas querem levar estes escandalosos destemperos espirituais avante, então que recomendem aos pseudorecasados que se confessem ocultando aos Padres o adultério permanente em que vivem e revelem somente, por exemplo, uma resposta torta ao companheiro ou ter, v. g., ingerido um croquete de vitela numa Sexta-feira; e vão comungar das mãos de um Padre que não os conheça.

Bons e santos amigos, não consegui escrever exactamente o que queria nem como o queria. Infelizmente as minhas capacidades, entre outras as de escrita, são limitadas. Mas parece-me não haver dúvidas de que estamos a viver, por coincidência ou não, nos tempos deste pontificado uma revolução, ou tentativa de ela na Igreja. Muita gente ficou espantada e incrédula quando há 3 (ou 4?) anos escrevi que aquilo que estava a suceder iria prejudicar a Igreja por várias décadas ou mesmo por alguns séculos (o que de resto não seria a primeira vez que isso aconteceria na história da mesma). Alguns que defendiam com unhas e dentes o ensinamento de Papas anteriores, agora advogam exactamente o contrário em nome da fidelidade ao papado e à Igreja. Que acontecerá, se o próximo Papa vier retomar os ensinamentos anteriores?

Outros dizem que não é de estranhar que este Papa seja criticado porque o mesmo aconteceu com os outros mais recentes. Haverá, no entanto, segundo muitos, uma diferença essencial. O actual, com ou sem razão, é contestado por contradizer e entrar em ruptura com a Doutrina de sempre, enquanto os anteriores eram atacados exactamente pelo contrário.

Queridos e santos amigos, nunca pensei vir a dizer uma coisa destas, mas apesar da minha incultura, pouquidão, limitações de todo o género e feitio, caso acontecesse o impossível, a saber, que o Senhor Patriarca ou quem quer que ele designasse, ou mesmo a Santa Sé, aceitasse um debate público, onde quer que fosse, sobre estas questões eu, somente confiado na Graça de Deus, estaria pronto para o/os confrontar. Não quero pôr-me em bicos dos pés, mas não tenho medo. 

Ademais tenho pelo Senhor D. Manuel Clemente uma enorme admiração e uma imensa gratidão. Sei que nunca poderei “pagar-lhe” a dívida de amizade, fraternidade e paternidade que reconheço com o maior agradecimento. Invejo-lhe, santa inveja, uma multidão de qualidades e saberes que não possuo. Mas nada disso me faz recuar. Poderei levar uma sova pública, uma tareia monumental, mas estaria disposto a tudo. É que, apesar de ainda não ter lido na totalidade a sua nota, ou texto, dirigido aos vigários, li com muita mágoa a sua entrevista de ontem ao semanário expresso. Tive pena, muita pena.

Se estou enganado pelo Maligno, que Deus me perdoe, e que os meus santos amigos rezem por mim com todas as veras.

Mas quando a Igreja se declara incompetente para julgar do interior, quem sou eu para arrogantemente presumir pernóstica e perliquitetemente  uma capacidade que, porque não me foi concedida, não possuo?

À honra de Cristo. Ámen.

Padre Nuno Serras Pereira


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1 comentário:

TRA disse...

"apesar de ainda não ter lido na totalidade a sua nota, ou texto, dirigido aos vigários, li com muita mágoa a sua entrevista de ontem ao semanário expresso".

Não leu e escreve com tamanha dureza, a público e para qualquer um ler? Acerca da matéria, a qual tem liberdade de opinião, mas acerca do bispo a quem se fez voto de obediência? Isto foi para aqui antes de ir pessoalmente a ele, pergunto-me?


Teresa Rebello de Andrade