sábado, 30 de maio de 2015

Mons. Marini na preparação da visita do Papa à América do Sul




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Coisas do diabo - Pe. Gonçalo Portocarrero

Os demónios existem e actuam, mesmo que neles não se acredite. Seja ele um Charlie mexicano, ou francês, o melhor é não lhe dar troco. É “assassino desde o princípio”, alguém em quem “não há verdade".

O princípio do mal é um absurdo, porque o mal absoluto é o nada e o nada não é. O príncipe do mal, pelo contrário, existe e – espantem-se! – é bom. De todos os modos, o melhor é mesmo não acreditar nele …


Que o demónio existe, não é pacífico. Muitas pessoas o negam, remetendo a sua existência para o imaginário de antigas fábulas ou de inverosímeis mitos religiosos. Aliás, ele próprio, o maligno, também afirma o mesmo, ou seja, que não existe, por uma razão que, segundo Jesus Cristo, lhe é muito própria: ele é, por definição, “mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).

Uma coisa é o princípio do mal e outra, muito distinta em termos filosóficos, o príncipe do mal. O mal, como entidade, é uma contradição, porque a realidade do mal é a do não-ser, pelo que o mal absoluto seria o nada e o nada, como diria La Palice, não é. O maniqueísmo afirmava a existência de um princípio do mal, oposto dialecticamente ao princípio do bem, uma tese filosófica a que Agostinho de Hipona aderiu e que depois abandonou, como contrária à razão e, portanto, à religião verdadeira, o Cristianismo.

Outra coisa é o príncipe do mal, ou demónio. Esse sim, existe e – espantem-se! – é bom. Tudo o que existe é bom, ou seja, tem a bondade inerente à sua realidade. Deus não cria coisas más, logo todas a criaturas são ontologicamente boas (Catecismo da Igreja Católica, nº 391). A bondade do diabo, que foi criado anjo bom, é uma evidência metafísica, que só poderia ser negada pela hipótese de um Deus mau, o que seria, mais uma vez, uma evidente contradição.

Que o demónio tenha essa bondade original não impede, contudo, que faça o mal. De modo análogo, todos os seres humanos são bons, mas não assim todas as suas acções. A maldade do diabo, como a dos homens, reside portanto no mal que fazem e não decorre de um erro na sua criação, nem de uma sua perversão essencial.

Negar a bondade do demónio só poderia fazer sentido para quem não reconhecesse a bondade de Deus e a de todas as suas obras, porque também os espíritos malignos são criaturas. Negar a maldade das acções diabólicas não faz sentido, porque implicaria negar também a realidade do mal no mundo.

Os Evangelhos referem, com frequência, o demónio e a sua acção. Cristo foi tentado e libertou muitos possessos, mas evitando sempre o sensacionalismo, que contradiz a deontologia do ministério pastoral. Por isso, também a Igreja católica fez, desde a sua fundação, e continua a fazer, com a necessária descrição, exorcismos, sempre de modo absolutamente gratuito e recorrendo apenas a meios sobrenaturais.

Tanto a ciência médica como a teologia moral distinguem, claramente, o que é do âmbito psiquiátrico e o que é do foro espiritual. “Por isso, antes de se proceder ao exorcismo, é importante ter a certeza de que se trata de uma presença diabólica e não duma doença” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1673). Nenhuma causa psíquica pode explicar que uma pessoa, que não sabe latim, se expresse nessa língua, ou que revele dados da consciência de alguém que só o próprio, Deus e, pelos vistos, o demónio conhecem.

Se é verdade a existência do maligno e a sua acção, mais importante é, contudo, afirmar a bondade de Deus e o seu amor por todas as criaturas. O Evangelho é a boa nova e a vida cristã uma experiência felicíssima de amor a Deus e ao próximo. Um cristão coerente não pode negar a existência do diabo, mas também não pode ceder à tentação do temor, porque até essa tenebrosa realidade é razão de alegria e de esperança.

Com efeito, a existência do príncipe do mal é também uma boa notícia: Chesterton ficou muito aliviado quando soube que as ‘suas’ tentações, afinal, não eram dele, mas do diabo. São Paulo, que se sentia por vezes esbofeteado por um anjo de Satanás (cf. 2Cor 12, 7), alegrava-se nas suas fraquezas, porque sabia que nada, nem ninguém, nos pode separar do amor que Deus nos revelou em Cristo (cf. Rom 8, 28-39).

Alguém dizia que não acreditava em bruxas mas … que as há, há! O mesmo se diga dos demónios, que existem e actuam, mesmo que neles não se acredite. Seja ele um Charlie mexicano, ou francês, o melhor é não lhe dar troco, porque é “assassino desde o princípio”, alguém em quem “não há verdade” (Jo 8, 44).

in Observador


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sexta-feira, 29 de maio de 2015

Padre no Iraque implora: “Por favor, salvem-nos!”

Sobreviveu a bombas, ao disparo de morteiros e esteve em cativeiro durante nove dias. Torturaram-no e queimaram-lhe o corpo com pontas de cigarros. Nem água lhe deram... Desses nove dias de horror, o Padre Douglas gosta de lembrar apenas as dez argolas das algemas que lhe prendiam as mãos: “Foi o mais belo rosário que já rezei em toda a minha vida.”

Tem 47 anos, uma voz tranquila e um olhar meigo. Ninguém imagina assim a sua história, o sofrimento por que passou. O Padre Douglas não gosta de falar de si próprio. “Não sou nenhum herói”, diz de si, mas, no entanto, já sobreviveu a dois atentados à bomba e esteve até nove dias em cativeiro, em 2006, em Bagdade. Apanharam-no numa das principais avenidas da capital iraquiana. Atiraram-no para dentro de um carro e vendaram-no. Se tentasse perceber para onde ia seria imediatamente morto. Os raptores queriam 1 milhão de dólares. Raptar pessoas é um negócio. Raptar cristãos no Iraque pode ser bem lucrativo. Neste caso, não houve dinheiro. O Padre Douglas acabou por ser libertado a troco de nada, mas as marcas desses dias terríveis ficaram para sempre. Até hoje. Até agora.

O cativeiro

Foram nove dias sem comer nem beber água. Foram mais de 200 horas de suplício, de tortura. Queimaram-no com pontas de cigarro, bateram-lhe, partiram-lhe dentes e o nariz. Algemaram-no. O Padre Douglas Bazi, quando recorda esses dias em que a sua vida esteve por um fio, prefere lembrar-se apenas dessas algemas. “Foi o mais belo rosário que já rezei em toda a minha vida.” Essas algemas, que foram colocadas para lhe prender os movimentos, libertaram-lhe o espírito. “Tinham exactamente dez argolas.” Os algozes podiam bater-lhe, queimar-lhe o corpo, gritar-lhe ao ouvido, privá-lo de comida e de água. Podiam até ameaçar-lhe a vida, encostando – como fizeram tantas e tantas vezes – o cano de uma pistola à cabeça, premindo depois o gatilho, como num fuzilamento: “Pac”. Fizeram-lhe isso tudo e nunca repararam, nem podiam reparar, que os dedos do Padre Douglas iam acariciando as argolas das algemas, numa oração ininterrupta de aves-marias. Batiam-lhe no corpo mas não podiam prender-lhe a alma.

Dias de tumulto

O Padre Douglas tem várias cicatrizes desses dias de terror e dos vários atentados que já sofreu. Porém, não gosta de falar de si. Prefere falar dos outros, dos milhares de cristãos que “estão a ser escorraçados” do Iraque. O Padre Douglas nunca conheceu verdadeiramente dias de paz no seu país. Era criança e houve a guerra com o Irão. Depois foi a invasão do Kuwait, a guerra do Golfo, a queda de Saddam Hussein… Só memórias de guerra. E durante todo esse tempo, aos poucos, os Cristãos foram perdendo direitos, foram ficando cidadãos de segunda. Nem nos bilhetes de identidade - que assinalam o nome, a idade, o sexo e a religião da pessoa -, são referidos como cristãos. São apenas “não-muçulmanos”. São o povo do Padre Douglas. “São a minha gente”, costuma dizer.

Igreja de sangue

O Padre Douglas vive hoje em Ankawa. Ele é um refugiado entre refugiados. Como milhares de cristãos também teve de fugir de Mossul perante o avanço dos jihadistas do “Estado Islâmico”. Apesar de tudo o que já passou, dos dias de cativeiro, das bombas que rebentaram perto de si, da explosão de morteiros junto à igreja enquanto celebrava Missa, das cicatrizes que guarda no corpo, apesar de tudo isso, o Padre Douglas tem apenas uma preocupação: ajudar o povo cristão a sobreviver a estes dias de provação. “Esta é uma Igreja de sangue. Pertenço a uma Igreja que pode ser chamada de sangue. No meu país, se alguém fizer um buraco para procurar petróleo, vai descobrir sangue de cristãos. Porém, o petróleo é mais caro do que o sangue dos mártires.”

Grito de ajuda

O Padre Douglas vive agora em Ankawa e tem à sua responsabilidade a vida de mais de uma centena de famílias cristãs. Refazer vidas é uma tarefa muito difícil. Quase tão impossível como esquecer as marcas de violência que ainda perduram no corpo e na memória de tantos cristãos. A Fundação AIS apoia directamente o trabalho do Padre Douglas junto dos que estão no campo de refugiados de Mar Elia, em Ankawa. Todos eles perderam tudo. Tudo. Provavelmente será impossível o regresso às suas casas, às suas aldeias. No Iraque, para os Cristãos, não há regresso possível ao passado e o futuro é uma incógnita terrível. 

Nestes dias de pavor, o Padre Douglas tenta consertar vidas, fazendo verdadeiros milagres com o pouco que tem. Os Cristãos, no Iraque, vivem “permanentemente numa Sexta-feira Santa”, diz ele. “Rezem por nós, ajudem-nos, salvem-nos!” As suas palavras são um verdadeiro grito de ajuda. “Se têm algum poder e vontade para salvar o meu povo, por favor, não parem. Façam alguma coisa. Por favor, salvem-nos!”

A Paróquia do Seixal está a organizar uma actividade de apoio aos cristãos iraquianos: Torneio solidário

in Voz da Verdade


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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Santa Missa em Rito Moçárabe na Basílica de S. Pedro

A Missa foi celebrada pelo bispo de Toledo, S.E.R. Baulio Rodríguez Plaza
Depois da incensação, no Ofertório, os vasos Eucarísticos são tapados por um véu, que será depois removido antes de começar a Oração Eucarística.

Eis a reportagem fotográfica completa: Fotografias da Missa em Rito Moçárabe


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O jogo "Charlie Charlie" é mais perigoso do que parece

Um jogo que tenta invocar um demónio mexicano - conhecido como "Charlie, Charlie" e considerado uma versão simplificada do tabuleiro de Ouija [tábua com desenhos para comunicar com mortos através do dedo indicador, parecido com o jogo do copo] - tornou-se viral nas redes sociais entre jovens adolescentes, levando um exorcista a avisar dos perigos envolvidos.

O jogo, que tem ganho imensa atenção online nos últimos dias, envolve um par de lápis ou canetas, uma folha de papel e a invocação de um espírito chamado "Charlie".

Pequenos filmes online, colocados maioritariamente por adolescentes, mostram os jogadores a encolher-se e a fugir quando o lápis aparentemente se mexe sozinho e aponta para o "sim" ou "não", depois de dizerem a frase que invoca o demónio.

O exorcista espanhol Jose Antonio Fortea disse à ACI Presnsa que o famoso #CharlieCharlieChallenge envolve a prática bem real e oculta de "invocar os espíritos."

Numa entrevista a 27 de Maio, ele avisou que "alguns espíritos que estão na raiz desta prática vão meter-se com alguns dos que jogam o jogo." Apesar de o sacerdote pensar que os jogadores "não ficarão necessariamente possuídos", o espírito foi invocado e "permanecerá perto durante um bocado."

O Pe. Fortea também avisou que jogar o jogo "vai fazer com que outros espíritos comecem a entrar numa comunicação mais frequente."

"Por isso a pessoa pode mesmo sofrer consequências piores do demónio," disse ele.

Os especialistas Católicos já verificaram que as actividades de ocultismo e a consequente necessidade de exorcimos atingiram um nível crítico por todo o mundo.

A Associação Internacional de Exorcistas (AIE) encontrou-se para a sua 12ª conferência anual em Roma, no passado Outubro. De acordo com o porta-voz da AIE, o Dr. Valter Cascioli, um número cada vez maior de bispos e cardeais pediu para participar na conferência devido a um aumento da actividade demoníaca.

"Está-se a tornar numa emergência pastoral," disse Cascioli à CNA. "De momento o número de perturbações de actividade demoníaca extraordinária está a crescer."

O aumento da actividade demoníaca pode ser atribuído à falta de fé cada vez maior entre as pessoas, juntamente com o aumento da curiosidade e participação em actividade ocultas tais como o tabuleiro de Ouija ou sessões de comunicação com mortos, disse Cascioli.

in Catholic News Agency (CNA)


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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Pais não podem bater nos filhos mas podem matá-los

"Curiosamente esses países que castigam o pai ou a mãe que bate no seu filho têm leis que lhes permitem matar os filhos antes de nascerem. São estas as contradições que vivemos hoje em dia."

Papa Francisco in Entrevista ao diário argentino 'La Voz del Pueblo' - 25/05/2015




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terça-feira, 26 de maio de 2015

Papa Francisco escreve sobre S. Filipe Néri

Mensagem do Santo Padre Francisco pelo Quinto Centenário do nascimento de S. Filipe de Néri

Ao Reverendo P. Mario Alberto Avilés, c.o.
Procurador Geral da Congregação do Oratório de S. Filipe de Néri

O quinto centenário do nascimento de S. Filipe de Néri, nascido em Florença a 21 de Julho de 1515, oferece-me a feliz ocasião de (...) recordar aquele que viveu sessenta anos na Orbe, merecendo o nome de "Apóstolo de Roma". O seu percurso existencial ficou profundamente marcado pelo trato com a pessoa de Jesus Cristo e pelo empenho em orientar para Ele as almas confiadas ao seu cuidado espiritual; na altura da morte recomendava: "Quem procura outro que não Cristo, não sabe o que quer; quem procura outra coisa que não Cristo, não sabe o que pede." (...)

Graças também ao apostolado de S. Filipe, o empenho pela salvação das almas voltava a ser uma prioridade na acção da Igreja; compreendeu-se novamente que os Pastores deviam estar com o povo para guiá-lo e sustê-lo na fé. Filipe foi guia de tantos, anunciando o Evangelho e dando os Sacramentos. Em particular, dedicou-se com grande paixão ao ministério da Confissão, até à última noite do seu último dia na terra. A sua preocupação era a de seguir constantemente o crescimento espiritual dos seus discípulos, acompanhando-os na aspereza da vida e abrindo-os à esperança cristã. (...)

O Padre Filipe, no seu método formativo, soube servir-se da fecundidade dos contrastes: enamorado da oração íntima e solitária, ensinava no Oratório a rezar em comunhão fraterna; fortemente ascético na sua penitência também corporal, propunha o empenho na mortificação interior, marcada pela alegria e a serenidade nas brincadeiras; (...)

Depois dos seus primeiros anos da sua presença em Roma, exercitou um apostolado da relação pessoal e da amizade, como via privilegiada para abrir ao encontro com Jesus e o Evangelho. (...) Amava a espontaneidade, evitava o artificial, escolhia os meios mais divertidos para educar nas virtudes cristãs e ao mesmo tempo propunha uma sã disciplina que implica o exercício da vontade para acolher Cristo no concreto da própria vida.

O estado permanente de missão da Igreja pede-vos, filhos espirituais de S. Filipe de Néri, que não se acomodem a uma vida medíocre; pelo contrário, na escola do vosso Fundador sois chamados a ser homens de oração e de testemunho para atrair as pessoas a Cristo. Nos nossos dias, sobretudo no mundo dos jovens, tão querido ao Padre Filipe, há uma necessidade grande de pessoas que rezam e que saibam ensinar a rezar. Com o seu "atentíssimo afecto ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia, sem o qual ele não podia viver" - como dizia uma testemunha do seu processo de canonização - ele ensina-nos que a Eucaristia, celebrada, adorada, vivida é a fonte a atingir para se falar ao coração dos homens. (...)

S. Filipe viriava-se carinhosamente para Nossa Senhora com a invocação "Virgem Mãe, Virgem Mãe", convicto que estes dois títulos dizem o essencial de Maria. Que Ela vos acompanhe no caminho de uma adesão a Cristo sempre mais forte e no empenho de um zelo sempre mais verdadeiro no testemunho e pregação do Evangelho. Enquanto vos peço para rezarem por mim e pelo meu ministério, acompanho estas reflexões com uma especial Benção Apostólica, que concedo de coração a todos os membros da Congregação oratoriana, aos leigos dos Oratórios seculares e a quantos estão associados à vossa família espiritual.

Dado no Vaticano, 26 de Maio de 2015
Franciscus 
Santa Missa no altar onde está o corpo de S. Filipe Néri - Chiesa Nuova (Roma)



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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Uma religião à medida do «New York Times»?

O Papa Francisco continua a sua catequese sobre a família. Em vez de criticar, propõe a grandeza da vocação familiar; em vez do peso das tentações, prefere falar das exigências maravilhosas do amor. Alguns jornalistas só perguntam se é proibido, mas em muitos ambientes a mensagem profunda e optimista da Igreja vai passando.

Neste contexto positivo, os desafios ganham sentido: «a fidelidade ao Evangelho da vida e ao respeito da vida como dom de Deus, às vezes exigem escolhas corajosas e contracorrente» – diz o Papa (15-XI-2014). O plano de Deus é tão maravilhoso que é uma pena deixarmo-nos enganar; não podemos olhar as tentações como quem suspira por um paraíso proibido; as tentações são uma miragem de felicidade: «Às vezes o pensamento dominante propõe uma “falsa compaixão”: como se favorecer o aborto fosse ajudar a mulher; ou a eutanásia fosse um acto de dignidade; ou “fabricar” um filho fosse uma conquista científica, em vez de se acolher o filho como um dom; ou usar vidas humanas como material de laboratório com o pretexto de eventualmente curar alguém» (ibid.).

A mensagem sobre a misericórdia e o Sacramento da Confissão permite entender muitas coisas. Explica o Papa, «é importante que [as pessoas divorciadas e recasadas] frequentem a igreja. Então simplificam e concluem “ah! vamos dar a Comunhão aos divorciados”. Isso não resolve nada. Aquilo que a Igreja pretende é que eles se integrem na vida da Igreja». E se as pessoas só querem mesmo comungar? O Papa é claro: «...Ora! Um colar ao peito, uma condecoração. Não. O que precisas é de te reintegrar. As pessoas em segundas uniões não estão em condições de fazer algumas coisas» (14-III-2015). Importa acolher, «acompanhar os processos interiores» (14-III-2015), ajudar as pessoas a superar alguma situação, até ficarem em condições de receber a absolvição sacramental.

O Papa Francisco acaba de nomear duas figuras importantes para o apoiarem nesta catequese de promover a exposição clara da doutrina da Igreja. É interessante perceber essas escolhas. Uma delas é o recém-nomeado Arcebispo de Sydney, Anthony Fisher OP. Tem 54 anos, formou-se em Direito, exerceu advocacia, estudou Teologia, doutorou-se em Oxford, foi professor na universidade e ganhou fama na Austrália pela simpatia e frontalidade da sua catequese. Este estilo levou muita gente a converter-se e aumentou as entradas no seminário. O seu lema episcopal é «Veritatem facientes in caritate» (dizer a verdade com amor) e, realmente, vai direito aos assuntos, com o dom da simpatia.

Papa Francisco com o Arcebispo de Sydney, Novembro de 2014.    
Declara abertamente que «a nossa única função é ensinar o Evangelho de Jesus Cristo, não estamos aqui para construir a nossa própria religião de acordo com as modas ou com o que o “New York Times” pretende». A verdade é que este estilo directo cai bem entre os jornalistas, incluindo os do NYT, e a juventude australiana adoptou-o como uma espécie de ídolo. A sintonia do Arcebispo de Sydney com o Papa é particularmente evidente: ambos gostam da perspectiva positiva e de propor grandes desafios.

Fisher sabe provocar sem ofender: «No fundo, acho que muitas pessoas não sabem amar muito bem. Falta-lhes o sacrifício de amar, têm medo do compromisso do amor, da vulnerabilidade de quem ama, das consequências do fracasso».

Facilidades? «Esperamos, ansiamos grandeza para ambos, e heroísmo para ambos, e felicidade para ambos». «Não basta contribuir para um certo equilibrismo de “bem” e de “mal” (...). Queremos mesmo que as pessoas façam coisas grandiosas». Para explicar o amor, dá o exemplo da mãe que se levanta a meio da noite quando o bebé chora, embora lhe custe, porque sabe que tem uma missão a cumprir. «Afinal, aquilo é amor, por isso a mãe persevera nesse sacrifício».

«Muitas vezes se reduziu o amor, ao torná-lo romântico, sentimental, explorando-o comercialmente de várias maneiras. Por isso, às vezes as pessoas têm uma perspectiva do amor cheia de emoções, de calor, de um sentimento nebuloso cá dentro, quentinho e nebuloso, focado obsessivamente numa pessoa, retirando determinadas satisfações dessa relação. Anda-se a vender essa visão de “dia dos namorados” como se fosse amor. Totalmente ao contrário do amor que Cristo nos mostrou na Cruz».

A ideia a transmitir é que um amor a sério vale a pena. Um momento de dificuldade pode ser um momento de grandeza. Deus ajuda. Vale a pena.

Segundo o Arcebispo, o sínodo vai servir para os católicos apreciarem o amor na família. «Esse amor até ao sacrifício de si mesmo, personificado por Jesus Cristo na sua Semana Santa e na sua Páscoa por nós, esse é o tipo de amor que precisamos de reaprender e ensinar ao mundo».

Aos poucos, a mensagem vai passando, na medida em que cada um se dispõe a ouvi-la.

José Maria André
in «Correio dos Açores»,  «Verdadeiro Olhar»,  «ABC Portuguese Canadian Newspaper», 24-V-2015



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Mateus levantou-se e seguiu-O - S. Beda, o Venerável

«Jesus ia a passar, quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: “Segue-Me!”» Viu-o, não tanto com os olhos do corpo, como com o seu olhar interior, cheio de misericórdia. Jesus viu um publicano e compadeceu-Se dele; escolheu-o e disse-lhe: «Segue-Me», isto é, imita-Me. Disse para O seguir, não tanto com os passos, como no modo de viver. Porque «quem diz que permanece em Cristo deve também proceder como Ele procedeu» (1Jo 2,6). 

Mateus levantou-se e seguiu-O. Não devemos admirar-nos de que o publicano, ao primeiro chamamento do Senhor, abandonasse os negócios terrenos em que estava ocupado e, renunciando aos seus bens, seguisse Aquele que via totalmente desprovido de riquezas. É que o Senhor chamava-o exteriormente com a sua palavra, mas iluminava-o de um modo interior e invisível para que O seguisse, infundindo na sua mente a luz da graça espiritual, para que pudesse compreender que Aquele que na terra o afastava dos negócios temporais lhe podia dar no céu tesouros incorruptíveis (cf Mt 6,20). 

«Encontrando-Se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos.» A conversão de um publicano deu a muitos publicanos e pecadores um exemplo de penitência e de perdão. Foi, na verdade, um belo e feliz precedente: aquele que havia de ser apóstolo e doutor das gentes atraiu consigo ao caminho da salvação, logo no primeiro momento da sua conversão, um numeroso grupo de pecadores.

in Homilias sobre os evangelhos I, 21


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sábado, 23 de maio de 2015

A batalha contra o "casamento gay" está perdida?

A Irlanda aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi o primeiro país a fazê-lo em referendo. Isto é especialmente significativo porque até há bem pouco tempo era considerado o país mais católico da Europa. Refira-se, porém, que a victória do “sim ao casamento” aconteceu com a conivência da hierarquia católica irlandesa, que pouco ou nada fez para convencer as pessoas que estavam a cometer um grave erro.

Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade

O debate deste tema na opinião pública está completamente viciado. Longos anos de endoutrinação através dos meios de comunicação social fizeram com que fosse geralmente aceite na nossa sociedade que:

1 – A atracção por pessoas do mesmo sexo é genética, nasce com a pessoa;
2 – É uma coisa natural e boa em si mesma, semelhante a outra qualquer característica, tal como a cor dos olhos ou da pele;
3 – Essa pessoa só será feliz com uma pessoa do mesmo sexo.

Partindo destes pressupostos, quem se recusa a aceitar a “normalidade” de uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo é como se discriminasse uma característica física de alguém. E como, antigamente, as pessoas eram discriminadas consoante a cor da pele, e isso foi ultrapassado, hoje em dia também há ainda quem discrimine as relações entre pessoas do mesmo sexo, dizendo que não são naturais, e isso é inaceitável. A homofobia, um adjectivo quase sempre mal usado, é equivalente ao racismo.

Este raciocínio está errado porque uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo nasce sempre da vontade dos envolvidos, e por tal, como qualquer acto humano, pode ser qualificado como moral ou imoral. Mas uma característica física, como por exemplo a cor da pele, não envolve a vontade do visado (a não ser no caso do Michael Jackson), portanto não é um acto humano e não pode ser moral nem imoral. Por isso afirmar que quem é contra o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo é como se fosse racista é um disparate de todo o tamanho. 

Voltando atrás, aos pontos que estão na origem deste equívoco:

1 – Tanto quanto sabemos a atracção por pessoas do mesmo sexo não é genética. Existem algumas característas genéticas que em algumas pessoas as podem predispor a essa atracção, mas não são suficientes, são necessárias outras condições. Por outro lado, muitas pessoas que sentem atracção por pessoas do mesmo sexo não têm qualquer predisposição genética;

2 – A atracção por pessoas do mesmo sexo não é natural. “Isso é mentira, existe na natureza, em muitos animais, por isso é natural!” Calma lá, ser natural nada tem a ver com o que acontece no mundo animal. Não podemos dizer que seria natural que uma mulher matasse o marido depois de acasalarem, como faz a viúva-negra, porque nós somos racionais e a aranha não, apenas se move por instinctos. Natural quer dizer que está de acordo com a natureza do ser humano. Não é preciso estudar antropologia para perceber que o homem foi feito para a mulher a mulher para o homem, isto é visível em primeiro lugar nos nossos corpos, que não são como são por mero acaso. Enquanto que, por outro lado, as diferentes características físicas em nada alteram a natureza da pessoa humana, é indiferente se a mulher é loira ou mulata ou se o homem é alto ou baixo, essas são propriedades acidentais e não essenciais da relação conjugal no ser humano, que apenas existe entre homem e mulher;

3 – Quem procura a felicidade numa relação com uma pessoa do mesmo sexo está à procura da coisa certa no lugar errado. A complementaridade que é necessária para a doação total de si mesmo apenas existe entre o homem e a mulher. O homem dá à mulher o que ela não tem e a mulher dá ao homem o que ele não tem. Ninguém pode dar o que não tem, por isso um homem nunca poderá doar a sua feminilidade porque não a tem por natureza. 

O Estado não se deve meter onde não é chamado

Um dos argumentos do “sim ao casamento” é que o Estado não se deve meter na intimidade das pessoas. Mas ao mesmo tempo é isso mesmo que está a ser exigido! 

Passo a explicar, um casamento só pode acontecer entre um homem e uma mulher; assim foi desde sempre, há boas razões para que assim seja e nenhuma para que assim não seja. O Estado, desde que assumiu a responsabilidade de tutelar os casamentos, apenas queria saber o sexo dos nubentes, porque de facto é algo relevante. Jamais quis saber se sentiam atracção por A ou B porque isso seria uma intromissão na vida íntima da pessoa e completamente irrelevante para o caso.

É um erro crasso dizer que quem está contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo não quer deixar que as pessoas se casem. Isto é completamente falso! O que defendemos é que o Estado apenas tem autoridade para legislar o casamento entre duas pessoas de sexo diferente. Depois, se são têm atracção por pessoas de sexo diferente ou não é lá com eles, o Estado não tem nada a ver com isso. 

Com esta luta pela “igualidade”, que é uma mentira porque não se pode tratar de forma igual o que é diferente, o Estado vem intrometer-se na intimidade da pessoa. 

Quem é que se quer casar hoje em dia?

Quando se olha para os números dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo é notório que são irrisórios. As pessoas do mesmo sexo não se querem casar! “Então porquê tudo isto?” Para que esta ideologia seja imposta à sociedade como algo natural e bom, o que nunca será.

Não deixa de ser irónico perceber que são quem se encontra na base na luta pelo casamento entre as pessoas do mesmo sexo são os mesmos que, durante décadas, lutaram contra o casamento, desprezando-o enquanto instituição e promovendo o divórcio.

Se a generalização do divórcio foi o primeiro round para destruir o casamento, e por consequência a família, a aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo é sem dúvida o segundo, e vem na sequência do primeiro.

A família sempre foi o último reduto de defesa da liberdade pessoal, que todos os Estados totalitários tentaram destruir para terem controlo absoluto sobre a pessoa. O nosso Estado “democrático” não é excepção. 

João Silveira


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Rezemos pelos cristãos perseguidos




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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Cumprir Fátima - Pe. Gonçalo Portocarrero

A escassos dois anos do primeiro centenário das aparições marianas na Cova da Iria aos três pastorinhos, é pertinente questionar se Fátima já se cumpriu.

Até ser revelada a terceira parte do segredo comunicado aos videntes, a interpretação das palavras de Nossa Senhora estava quase totalmente polarizada por essa incógnita, que deu azo a numerosas especulações. Esta circunstância contribuiu, de algum modo, para o ofuscamento da própria mensagem que, como é óbvio, ia muito além dessa profecia, realizada no atentado padecido por São João Paulo II, precisamente num dia 13 de Maio. Muito embora o Papa polaco não tenha falecido como consequência desse criminoso acto, como a terceira parte do segredo dava a entender, quer o protagonista desse acontecimento, quer também a principal vidente, na altura ainda viva, entenderam que era a esse facto que aludia o misterioso desígnio. Não obstante a Lúcia ter escrito, inicialmente, que o “homem vestido de branco” seria assassinado, a misericórdia divina, por intercessão de Maria, poupou à morte o então sucessor de Pedro.

Também já se cumpriu a tão desejada conversão da Rússia, se por tal se entender a radical mudança realizada nesse país, graças à implosão do regime comunista. Não apenas nessa nação se produziu essa extraordinária alteração política, que nenhum politólogo previu, como também em todos os países satélites da então União Soviética que, sem um tiro sequer, recuperaram a sua independência e liberdade. As conversações entre a Santa Sé e os dirigentes comunistas foram inconclusivas ao longo de dezenas de anos, mas não a consagração desses países e do mundo a Maria, por S. João Paulo II. Pouco depois acontecia a milagrosa queda do muro de Berlim e, com ele, da cortina de ferro que, durante quase meio século, se fechara sobre todos os países da Europa de Leste.

Se é certo que a revelação integral do segredo de Fátima e a conversão da Rússia realizaram, em grande medida, o propósito destas aparições marianas, também é verdade que a mensagem da “Senhora mais brilhante do que o sol” não está esgotada. Com efeito, falta ainda o prometido triunfo do Imaculado Coração de Maria, que inaugurará um tempo de paz para a humanidade e para a Igreja.

O que será essa desejada era de bonança não é possível imaginar, nem saber quando ocorrerá, mas é de esperar que, por mediação de Maria, cessem as furiosas perseguições contra os cristãos que vivem em países onde são vítimas do impiedoso fundamentalismo islâmico, ou da aguerrida intolerância de lóbis anticristãos que, por vezes com a cobertura de organizações internacionais e sob o pretexto de campanhas pseudo-humanitárias, promovem o laicismo.

Triste exemplo deste fanatismo de raiz agnóstica ou ateia é a recente decisão judicial de remover, num país da Europa central, uma estátua de São João Paulo II, com o pretexto de que a mesma é insultuosa para quem não professa a fé católica. Com a mesma razão, ou falta dela, deveriam também excluir-se todos os monumentos de grandes compositores musicais e pintores, pois são um atentado para quantos são surdos ou cegos, respectivamente.

A bem dizer, qualquer símbolo religioso pode ser também visto como um desrespeito pela laicidade do Estado e uma ofensa aos crentes das outras religiões, pelo que seria igualmente pertinente a sua destruição … Aliás, não seria nada de novo, porque os talibans e os guerrilheiros do dito Estado Islâmico assim têm feito por onde têm passado, em relação a todos os vestígios culturais ou religiosos com que não se identificam.

Mas, cumprir Fátima, não é apenas esperar que chegue, finalmente, esse tão desejado tempo de paz, mas apressar, com a nossa oração e o testemunho coerente da nossa fé, o triunfo do Coração Imaculado de Maria. Para um tal propósito, Maria deu-nos uma arma poderosa, precisamente a mesma que fez cair o império soviético e salvou a vida de São João Paulo II: o terço. Que cada conta do rosário seja uma bala contra a guerra e a favor da paz entre as nações e as religiões, para que o Imaculado Coração de Maria triunfe em todas as famílias e corações.

Pe. Gonçalo Portocarrero in Voz da Verdade


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quinta-feira, 21 de maio de 2015

O repouso da noite designa a visão de Deus

Na Sagrada Escritura, o repouso da noite designa a visão de Deus. Tal como a ceia marca a conclusão dos trabalhos do dia e o princípio do repouso da noite, também a alma saboreia, nesta notícia pacífica de que falamos, uma antecipação do fim dos seus males e a garantia dos bens que espera. Também por isto o seu amor a Deus é em muito aumentado. Para a alma, o amor de Deus é realmente «a ceia retemperadora» que lhe anuncia o fim dos seus males, e que «inflama o amor», assegurando-lhe a posse de todos os bens.

Para melhor podermos compreender quão deliciosa é de facto esta ceia para a alma – pois, como o temos dito, a ceia é afinal o próprio Bem-Amado –, recordemos as palavras do Esposo, no Apocalipse: «Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo» (Ap 3, 20). 

Já aqui Ele nos dá a entender que traz a ceia consigo, isto é, o sabor e as delícias com que Ele próprio Se alimenta e que comunica à alma ao unir-Se-lhe, para que também esta se alimente do mesmo. É este o sentido das suas palavras: «Cearei com ele, e ele comigo», e é este o efeito produzido pela união da alma com Deus: os mesmos bens de Deus tornam-se comuns a Ele e à alma Esposa, porque Ele comunica-lhos gratuitamente e com soberana liberalidade. Deus é em Si mesmo esta «ceia retemperadora, que inflama o amor». Ele retempera a Esposa com a sua liberalidade, e inflama-a de amor com a sua benevolência.

São João da Cruz in Cântico espiritual, 2ª recensão


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Discurso do Papa Bento XVI aos Artistas na Capela Sistina

Queridos amigos, deixemos que estes afrescos hoje nos falem, atraindo-nos para a meta última da história humana. O Juízo Final, que sobressai atrás de mim, recorda que a história da humanidade é movimento e elevação, é inesgotável tensão para a plenitude, para a felicidade última, para um horizonte que excede sempre o presente enquanto o atravessa. Mas na sua dramaticidade este afresco coloca diante dos nossos olhos também o perigo da queda definitiva do homem, ameaça que domina a humanidade quando se deixa seduzir pelas forças do mal. Por isso, o afresco lança um forte grito profético contra o mal; contra qualquer forma de injustiça. Mas para os crentes Cristo ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida. Para quem o segue fielmente é a Porta que introduz naquele "face a face", naquela visão de Deus da qual brota já sem limites a felicidade plena e definitiva. Michelangelo oferece assim à nossa visão o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da história, e convida-nos a percorrer com alegria, coragem e esperança o itinerário da vida. A dramática beleza da pintura de Michelangelo, com as suas cores e formas, torna-se portanto anúncio de esperança, convite poderoso a elevar o olhar rumo ao horizonte último. (...)

Infelizmente, o momento actual está marcado não só por fenómenos negativos a nível social e económico, mas também por um esmorecimento da esperança, por uma certa desconfiança nas relações humanas, e por isso crescem os sinais de resignação, agressividade e desespero. Depois, o mundo no qual vivemos corre o risco de mudar o seu rosto devido à obra nem sempre sábia do homem o qual, em vez de cultivar a sua beleza, explora sem consciência os recursos do planeta para vantagem de poucos e não raramente desfigura as suas maravilhas naturais. O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? 

Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efémero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo.

De facto, uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem um "sobressalto" saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o "desperta" abrindo-lhe de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o. 

A expressão de Dostoievsky que estou para citar é sem dúvida ousada e paradoxal, mas convida a reflectir: "A humanidade pode viver – diz ele – sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto". Faz-lhe eco o pintor Georges Braque: "A arte existe para perturbar, enquanto a ciência tranquiliza". A beleza chama a atenção, mas precisamente assim recorda ao homem o seu destino último, volta a pô-lo em marcha, enche-o de nova esperança, dá-lhe a coragem de viver até ao fim o dom único da existência. A busca da beleza da qual falo, evidentemente, não consiste em fuga alguma no irracional ou no mero esteticismo.

Mas, com muita frequência, a beleza propagada é ilusória e falsa, superficial e sedutora até ao aturdimento e, em vez de fazer sair os homens de si e de os abrir a horizontes de verdadeira liberdade atraindo-os para o alto, aprisiona-os em si mesmos e torna-os ainda mais escravos, privados de esperança e de alegria. Trata-se de uma beleza sedutora mas hipócrita, que desperta a cupidez, a vontade de poder, de posse, de prepotência sobre o outro e que se transforma, muito depressa, no seu contrário, assumindo o rosto do obsceno, da transgressão ou da provocação gratuita. 

Ao contrário, a autêntica beleza abre o coração humano à nostalgia, ao desejo profundo de conhecer, de amar, de ir para o Alto, para o Além de si. Se aceitamos que a beleza nos toque intimamente, nos fira, nos abra os olhos, então redescobrimos a alegria da visão, da capacidade de colher o sentido profundo do nosso existir, o Mistério do qual somos parte e do qual podemos haurir a plenitude, a felicidade, a paixão do compromisso quotidiano. João Paulo II, na Carta aos Artistas, cita, a este propósito, este verso de um poeta polaco, Cyprian Norwid: "A beleza serve para entusiasmar para o trabalho, / o trabalho serve para ressurgir" (n. 3). E mais adiante acrescenta: "Enquanto busca da beleza, fruto de uma imaginação que vai além do quotidiano, a arte é, por sua natureza, uma espécie de apelo ao Mistério. Enquanto perscruta as profundezas mais obscuras da alma ou os aspectos mais perturbadores do mal, o artista torna-se de certa forma voz da expectativa universal de redenção" (n. 10). E na conclusão afirma: "A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente" (n. 16).

Estas últimas expressões levam-nos a dar um passo em frente na nossa reflexão. A beleza que se manifesta na criação e na natureza e que se expressa através das criações artísticas, precisamente pela sua característica de abrir e alargar os horizontes da consciência humana, de remetê-la para além de si mesma, de aproximá-la ao abismo do Infinito, pode tornar-se um caminho para o Transcendente, para o Mistério último, para Deus. 

A arte, em todas as suas expressões, no momento em que se confronta com as grandes interrogações da existência, com os temas fundamentais dos quais deriva o sentido do viver, pode assumir um valor religioso e transformar-se num percurso de profunda reflexão interior e de espiritualidade. Esta afinidade, esta sintonia entre percurso de fé e itinerário artístico, confirma-a um número incalculável de obras de arte que têm como protagonistas as personagens, as histórias, os símbolos daquele imenso depósito de "figuras" – em sentido lato – que é a Bíblia, a Sagrada Escritura. As grandes narrações bíblicas, os temas, as imagens, as parábolas inspiraram numerosas obras-primas em todos os sectores das artes, assim como falaram ao coração de cada geração de crentes mediante as obras do artesanato e da arte local, não menos eloquentes e envolvedoras. (...)

Queridos Artistas, encaminhando-me para a conclusão, gostaria de vos dirigir também eu, como já fez o meu Predecessor, um cordial, amistoso e apaixonado apelo. Vós sois guardiães da beleza; vós tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. Sede portanto gratos pelos dons recebidos e plenamente conscientes da grande responsabilidade de comunicar a beleza, de fazer comunicar na beleza e através da beleza! Sede também vós, através da vossa arte, anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade! E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita! A fé nada tira ao vosso génio, à vossa arte, aliás exalta-os e alimenta-os, encoraja-os a cruzar o limiar e a contemplar com olhos fascinados e comovidos a meta última e definitiva, o sol sem ocaso que ilumina e torna belo o presente.



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