domingo, 13 de março de 2011

Amor aos pais - Pe. Rodrigo Lynce de Faria

É conhecida a história de Eneias, famoso herói da Eneida, obra-prima do poeta romano Virgílio. Neste antiquíssimo poema relata-se que, quando Tróia foi incendiada pelas forças gregas, os jovens troianos começaram a abandonar as muralhas da cidade dispostos a recomeçar a sua vida noutro lugar.

No momento da destruição da cidade, Anquises, pai de Eneias, tinha já uma idade avançada e mal podia andar. Por esse motivo, suplicou ao filho que o deixasse morrer ali, pois não desejava ser para ele um estorvo que o impedisse de se salvar da destruição. Eneias recusou-se terminantemente a ceder a essa petição. Respondeu-lhe — sem vacilar — que nunca conseguiria viver o resto dos seus dias com dignidade se, naquele momento, abandonasse o seu pai em tão tristes circunstâncias.

Depois de pronunciar estas palavras, Eneias carregou Anquises sobre os seus ombros e deu a mão ao seu filho Iúlo. Os três — três gerações unidas — abandonaram as muralhas da cidade em chamas. Por este motivo, Virgílio chama ao seu herói o “piedoso Eneias”, já que a palavra piedade na sua raiz latina — pietas — significa exactamente isso: amor aos pais.

Desde sempre, o amor aos pais manifesta-se na gratidão por aqueles que foram instrumentos de Deus para nos transmitir o primeiro de todos os dons: o dom da vida. Somos um fruto directíssimo da generosidade dos nossos pais. Temos uma dívida para com eles que nunca poderemos pagar. Claro que alguém poderia contar casos de filhos ingratos que abandonam os seus pais em dificuldades. São casos reais, sem dúvida nenhuma, mas não me parece que sejam os casos mais comuns — sobretudo nas famílias sãs.

O mais comum é a gratidão dos filhos para com os seus pais. Gratidão que, com o passar dos anos, se torna mais consciente e madura. Gratidão pela educação que soube conjugar aspectos aparentemente contraditórios: exigência e carinho, autoridade e respeito pela liberdade, coerência e flexibilidade.

Gratidão também porque os nossos pais não temeram dizer a palavra “não” quando isso era necessário. Talvez nesses momentos não os tenhamos entendido bem — hoje, pelo contrário, estamos-lhes agradecidos por essa manifestação de bondade e fortaleza. Porque educar não é o mesmo que mimar. Quanto mais se mima uma criança, mais se a deixa indefesa para enfrentar as dificuldades da vida. Poupar em todas as ocasiões os pequenos sacrifícios aos filhos não os educa bem, nem lhes robustece a vontade. Para educar bem — que é diferente de educar de qualquer forma — é necessária uma exigência amável. Exigência que não confunde o amor com o sentimentalismo.

Eneias tinha aprendido dos seus pais a dizer que “não” a si próprio quando isso era necessário. Apoiado nessa aprendizagem, soube dizer que “não” à sua tendência para o mais cómodo — tendência com que todos nascemos. Eneias não se deixou arrastar pelo mais fácil — deixar o pai em Tróia —, por muito que isso lhe “facilitasse” a vida. Eneias, por ter ouvido algumas vezes um “não” na sua educação, era agora capaz de amar o seu pai de verdade.


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